Buonicore – Quando e como você ficou conhecendo a União da Juventude Patriótica? Na ocasião, já era militante do PCdoB na Guanabara?

Caíque – Participei da fundação da União da Juventude Patriótica no Rio de Janeiro. Fui de sua direção da sua fundação até o dia que fui preso em junho de 1972. Acompanhei portanto as discussões internas no PCdoB que resultaram no surgimento desta organização juvenil.

Buonicore – Se era, quando e como ingressou no Partido?

Caíque – Entrei no PCdoB no dia 13 de dezembro de 1968 (dia do AI-5). Fiquei de 1966 até este dia me definindo entre a organização de Carlos Marighela e o PCdoB. Fui recrutado pelo Lúcio do IFCS – UFRJ faculdade cujo Diretório Acadêmico era dirigido pelo Ronald Rocha. Recebia os documentos do PCdoB a partir do “União dos Brasileiros” da VI Conferência. Resolvi me filiar neste dia e imediatamente participei de uma pichação nos estaleiros do Rio contra o AI-5 que estava sendo lido na TV.

Buonicore – Você sabe como surgiu a idéia de formar a UJP? Ela foi iniciativa do Comitê Central ou do Comitê Regional?

Caíque – A criação da UJP, proposta pelo CR da Guanabara e aprovada pelo CC, era parte de uma experiência que se desse certo seria paulatinamente estendida aos demais estados. A tradição do movimento comunista era das UJCs. As primeiras discussões sobre a criação da UJP que participei, foram com Jover Teles, Armando Frutuoso, Lincoln Bicalho e o assistente do meu setor José Roberto Brum de Luna, todos dirigentes do Comitê estadual, os três primeiros também do CC.

Buonicore – Quais eram os seus principais dirigentes da UJP? Fale um pouco sobre eles, especialmente Lincoln Bicalho.

Caíque – Da primeira direção participaram: O Lincoln Bicalho Roque (Mário), A Myriam do IFCS (Mariana), um companheiro, não lembro o nome, que tenho quase certeza, estou apurando isso, era filho do Salatiel do PCBR (*1), e eu (Artur na UJP). O Lincoln e a Myriam dirigiam os trabalhos e tínhamos esporadicamente assistência da Direção Regional do PCdoB.

Lincoln Bicalho Roque era um dirigente preparado, formulador, organizador, sempre parceiro de todos os militantes. Muito querido por todos os que o conheceram. Sua atuação foi fundamental para que a UJP se consolidasse. Atuava com desprendimento e alegria. Foi assassinado em 1973 pela repressão. Para mim é motivo de orgulho ter atuado junto a este camarada.

A Myriam era do IFCS, onde o PCdoB, venceu as eleições para o DA, companheira de Ronald Rocha, dirigente da frente de massas (DAs, UNE). Participou da redação e confecção dos principais materiais da UJP, o Manifesto Programa, Estatutos, jornais panfletos etc….Também quadro fundamental na consolidação da UJP. O outro companheiro estamos tentando resgatar seu nome e história.

Buonicore – Como ela se organizava a UJP? Tinha reuniões ou encontros abertos?

Caíque – A UJP era organizada em Núcleos. As reuniões eram estanques, clandestinas por imposição do regime de ditadura que vivíamos. Tinha o setor Universitário, o dos Vestibulandos e o Secundarista, isso entre os estudantes de onde vieram a maioria de seus quadros. Buscávamos também a juventude de bairros e de trabalhadores com as naturais dificuldades da época. Realizávamos grandes panfletagens, o Jornal e boletins eram amplamente divulgados, pichações eram feitas em todos os bairros, e a maioria dos banheiros de restaurantes e ônibus da cidade tinham inscrições a Pilot da UJP. Organizamos desta forma, centenas de jovens muitos deles não militantes do PCdoB.

Buonicore – Qual era a sua base (ou setor) e quais eram as suas tarefas? Quem participava delas?

Caíque – Eu pertencia ao Comitê Estudantil Secundarista do PCdoB. Minha escola era o Colégio Pedro II, escola federal, com larga tradição de luta, participava também da base de lá. Assessorava a movimentação dos dirigentes da UBES no Rio. Organizei a última reunião de diretoria da UBES no sítio de meu pai em Teresópolis. Reunião que participaram Marcos Melo, Bernardo Jofily, Alanir Cardoso, Euler Ivo, Luis Turibio (Turiba). Gilceone Consenza, Antonio Sérgio (Catatau) entre outros. Do Comitê secundarista participavam: Tarso, Cristina Capistrano. Iracema Soares, Luis Artur Turibio (Turiba da UBES), Eu

Buonicore – Você chegou a distribuir o boletim da UJP? Como era produzido e feita sua distribuição?

Caíque – Distribui todos os materiais da UJP. Desde o Programa e Estatutos, à “Chuva de Panfletos” no centro da cidade, aos boletins e comunicados. Serviam de instrumentos de organização, agitação e propaganda. Eram impressos em mimeógrafo com stencil eletrônico ou tradicional. Eram produzidos na direção da UJP, com acompanhamento do CR e distribuídos pela estrutura citada. A “Chuva de Panfletos” era realizada na mesma hora por pares de militantes que recebiam na hora a localização da janela onde deveriam jogar os volantes, a justificativa do que faziam no prédio em caso de repressão e um militante controlava a saída deles. Panfletávamos também os trens vazios em torno das 5 da madrugada para que os que vinham trabalhar viessem lendo e também escolas, faculdades e fábricas.

Buonicore – O que você sabe sobre a morte de Joel Vasconcelos dos Santos? Parece que ele, além de dirigente da AMES e UBES, era militante do PCdoB e da UJP na Guanabara. Ele foi seqüestrado pela repressão e desapareceu em março de 1971.

Caíque – Joel Vasconcelos Santos era do meu organismo partidário, participava do Comitê Estudantil Secundarista do PCdoB. Atuamos juntos até seu desaparecimento. Foi indicado pelo coletivo para atuar na AMES e na UBES. Foi preso na base do Borel, favela do Rio com materiais do partido juntamente com um jovem do local o “Makandal”. Nunca mais foi visto mesmo tendo Makandal como testemunha de sua detenção. Eu fui até a casa dele e avisei a sua mãe Elza Joana dos Santos da prisão indicando advogado. Afirmei que por motivo de segurança não voltaria mais a procurá-la. Participei com Joel (Moreno) de atividades de organização nas escolas e várias panfletagens. Reencontrei Dona Elza Joana na luta da Anistia e até a sua morte, por problemas cardíacos. Mantivemos fortes laços de militância. Quando fui preso em junho de 1972 vi a foto dele no DOI CODI e perguntei onde tinham conseguido se eles negavam a sua prisão. Joel faz parte da galeria dos heróis de nosso povo.

Buonicore – Por que a experiência ficou restrita à Guanabara e não se estendeu para outros estados da federação?

Caíque – Estava em fase de experiência para ser levada aos demais estados. Assim era informado pela nossa direção.

Buonicore – Alguns afirmam que a UJP foi um celeiro privilegiado de recrutamento para a Guerrilha do Araguaia? Você conheceu alguém da UJP que foi para a Guerrilha? Como se dava este processo?

Caíque – Conheci vários camaradas que formam atuar no Araguaia. Por exemplo, a Maria Célia e seu irmão Elmo Correia, o Adriano, o Hélio (Edinho) da Quimica, o Tobias da UFF, Jana Moroni, o Paquetá da medicina e cirugia sobre quem pesam suspeitas de colaboração com a repressão. Pelo meu trabalho junto aos diretores da UBES, tive um encontro com a Helenira em Copacabana antes dela também ser deslocada. Os do Rio, eram do PCdoB e também atuavam na UJP. Militantes neste período se colocavam “à disposição” do CC para atuar onde a luta exigisse. Alguns iam reorganizar o ME em outros estados e outros mais tarde ficamos sabendo se deslocaram ao Araguaia. A seleção era feita com máxima segurança pelo Comitê Central.

Buonicore – Você ficou sabendo da queda da base da UJP na faculdade de Direito de UFRJ, ocorrida em outubro de 1970?

Caíque – Não tenho informação sobre este episódio. Estou tentando obter informações.

Buonicore – Como se deram as quedas da UJP a partir de maio de 1972? Como você foi preso? Qual o resultado do processo? Foi condenado?

Caíque 
– Com o ataque aos nossos camaradas no Araguaia, a repressão se preparou e nos atacou nas cidades. As prisões começaram em junho de 1972 e atingiram em cheio o setor secundarista, os vestibulandos, preservando muito da estrutura universitária neste momento. O maior dirigente preso nesta ofensiva foi o José Roberto Brum de Luna assistente do Regional ao Comitê Secundarista. As prisões começaram numa segunda feira e fui preso na sexta feira. Só fui saber da extensão das quedas quando já estava no DOI CODI da Rua Barão de Mesquita no Rio num ambiente de torturas generalizadas. Não fui incluído no processo. A repressão não tinha informações mais precisas de minha atuação e considerava minha militância circunscrita aos secundaristas. Fui solto depois de umas duas semanas. Meus pais foram um dia ao Ministério da Guerra buscar informações sobre meu paradeiro e andando ao lado de Adir Fiúza de Castro, que chefiava o DOI CODI ouviram dele “Eu sou um fanático, fui educado para destruir, minha missão é matar” minha mãe Maria Augusta Tibiriçá respondeu “Eu fui preparada para construir, minha missão é curar, sou médica” e meu pai Henrique Miranda conclui “E eu sou professor”. Passei um tempo tendo que assinar no Ministério um livro para provar que não estava clandestino. Minha casa foi invadida e ocupada por dias para novamente me prender em 01/11/1972. Meu pai conseguiu me avisar e sai do Rio fugindo para São Paulo, fiquei sem contato partidário até fevereiro de 1974. Voltei ao Rio onde cursei Economia na UFRJ, retomando ai minha atuação política no ME, nos jornais Opinião e Movimento em campanhas eleitorais até retomar o contato com o Partido em novembro de 1978 quando Rogério Lustosa fez contato iniciando com minha participação a reorganização do PCdoB no estado. Fui candidato a Deputado Estadual pelo PMDB nas eleições de 1982 visando à reorganização do Partido. Hoje sou membro da Comissão Política do Diretório Estadual do PC do B.

Buonicore – Quem mais foi preso com você? Quem continuou preso respondendo processo?

Caíque – O principal dirigente preso foi o José Roberto. Do Comitê Secundarista somente um companheiro não foi preso. Foram detidos: Tarso, Cristina Capistrano (filha de David Capistrano), Iracema Soares, Ubirajara Soares, Turiba (da UBES), vários militantes de base secundarista e vestibulandos.

Foram processados alguns entre eles O Zé Roberto, a Cristina o Luis Amauri (do Pedro II e até hoje militante do PCdoB) etc (posso saber exatamente quem foi)

Buonicore – Depois de libertado entrou para a clandestinidade? Onde passou a atuar?

Caíque – Vide acima. Quando Rogério nos contatou, participei da Comissão de Reorganização do PCdoB no Rio com Luis Fernandes (hoje do CC), Maria Dolores Bahia (era do CC e se afastou do partido), José Roberto Brum de Luna e Eu. Tínhamos trabalhos em várias frentes mesmo sem contato. Gravavamos os documentos lidos na Rádio Tirana, batíamos a máquina, xerocávamos e distribuíamos. Depois da queda da Lapa, passamos a receber a Classe Operária enviada da Europa, na sucursal do jornal Movimento. Na campanha eleitoral de 1978, apoiamos Modesto da Silveira e Raymundo de Oliveira, Gildásio Consenza e Arlindenor Pedro de Souza na campanha Raymundo e eu e Delzir Antonio Mathias na de Modesto. Nas eleições de 1974 ocorreram duas orientações no Rio. Os que vieram da AP (estrutura 2) receberam a posição de votar em Lisaneas Maciel e a estrutura 1 ficou com o Voto Nulo.

Buonicore – Quando a UJP deixou de existir? Após as quedas de 1972 ou mais tarde?

Caíque – Mais tarde. Lincoln foi assassinado em 1973, Delzir Antonio Mathias, Arlidenor e outros foram presos mais tarde quando então a UJP deixa de existir.

Buonicore – Fale da relação entre a AP e a UJP.

Caíque – Atuávamos com a AP no ME. A AP não participou organicamente desta experiência. Mais tarde em 1971 e 1972 se concentraram no Rio militantes da AP que se opunham à vinda ao PCdoB. Tiveram muitas quedas antes das nossas. A do Jean Marc, por exemplo.

Buonicore – Você gostaria de dizer mais alguma coisa? Um fato interessante ou curioso sobre sua militância na UJP ou de algum outro militante?

Caíque – A UJP, além do Partido, foi uma escola de vida e cidadania para mim. Já me contatei com a Myriam e o Ronald Rocha visando escrever esta história recuperando lapsos de memória. Já marcamos uma conversa para breve.

Buonicore – Que ex-militante da UJP você conhece e poderia dar uma entrevista sobre ela?

Caíque – Os hoje dirigentes do PCdoB RJ Dilcéia Quintela, Uirtz Sérvulo, O conselheiro do CREMERJ Nelson Nahon, o ex militante Arlindenor Pedro de Souza, a Myriam (já contatada por vc), Delzir Antonio Mathias (Delzir foi barbaramente torturado e teve um dos mais exemplares comportamentos) (era do CC e foi expulso em 1980 com Ozéas, Nelson Levy e José Novaes) etc..vou pensar e te mando mais nomes

Buonicore – Você ainda tem fotos ou documentos deste período?

Caíque – Não. Mas a Myriam me disse que resgatou o Programa e Estatutos.

1) Este companheiro que Ronald Rocha em dúvida acha que podia ser filho de Mário Alves tenho a versão (estou confirmando) que era filho de Salatiel que foi morto por um comando do PCBR acusado de ter extraviado dinheiro e entregue Mario Alves. ( a direção deles estava esfacelada portanto agiram sem provas e sem defesa). A morte de Salatiel é comentada no livro “Combate nas Trevas” de Jacob Gorender. Devido a este fato este companheiro se afastou de nós.

Entrevista feita através de meio eletrônico pelo historiador Augusto Buonicore em dezembro de 2008.

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Sobre a experiência da UJP

Vídeo: UJP-40 anos